Além da dimensão pastoral e evangelizadora, igrejas, associações, fundações congregações e organismos religiosos realizam atividades administrativas, patrimoniais, educacionais e sociais, o que as obriga a lidar constantemente com contratos, v.g.: de prestação de serviços, locação, compra e venda, parcerias, doações, cessão de uso, dentre outros.
Apesar disso, é comum que líderes e gestores religiosos assinem contratos sem a devida análise jurídica, muitas vezes confiando em modelos genéricos ou em boa-fé das partes.
Tal prática, embora bem-intencionada, pode colocar em risco direitos, patrimônio da instituição e até sua reputação. Por isso, a análise e elaboração de contratos por meio de uma assessoria jurídica preventiva especializada é uma inegável necessidade no contexto eclesial.
Por que a análise e elaboração jurídica de contratos é indispensável?
A consultoria jurídica contratual permite que a instituição religiosa:
- Preserve seus direitos, interesses e patrimônio.
- Entenda com clareza as obrigações e direitos assumidos.
- Avalie cláusulas que possam ser abusivas, desproporcionais ou prejudiciais.
- Evite disputas judiciais futuras decorrentes de contratos mal redigidos.
- Tenha garantias de que o contrato respeita os princípios constitucionais, civis e canônicos (quando aplicável).
- Proteja a instituição e seus líderes de passiveis judiciais, perdas patrimoniais e cometimento de negócios jurídicos contrários aos ditames da lei.
Riscos de contratos firmados sem análise e assessoria jurídica:
Contratos sem análise jurídica podem ser firmados com cláusulas genéricas, abusivas, desvantajosas, conterem omissões graves ou mesmo disposições que colocam a instituição em situação de nulidade ou ilicitude ou prejudique seu patrimônio e suas lideranças.
Os principals riscos incluem:
- Comprometimento patrimonial da entidade, como em contratos de compra e venda mal estruturados, que não preveem garantias ou cláusulas resolutivas adequadas.
- Vícios de consentimento, que podem gerar nulidade contratual.
- Responsabilidade solidária de líderes religiosos.
- Exposição a litígios trabalhistas, civis, tributários e até mesmo criminais e canônicos, em razão de contratos mal formatados com prestadores de serviços, parceiros ou doadores.
- Invalidação jurídica do contrato, por vícios formais ou ausência de requisitos legais.
Da função preventiva do assessor jurídico especializado
O papel do advogado vai além de resolver conflitos: ele atua preventivamente para evitá-los. No contexto das instituições religiosas, a assessoria jurídica especializada:
- Personaliza os contratos de acordo com a missão institucional, as regras estatutárias, canônicas e a legislação aplicável.
- Garante a conformidade com a legislação brasileira e internacional (v.g.: Constituição Federal, Concordata Jurídica entre Brasil e Santa Se, Código Tributário, Código Civil, Lei da Liberdade Religiosa) e com o regime tributário específico das entidades religiosas;
- Avalia riscos contratuais, propõe cláusulas protetivas e aponta alternativas mais seguras.
- Dialoga com terceiros e acompanha a entidade religiosa e seus líderes em negociações contratuais, representando os interesses da entidade com técnica, ética e defesa de seus direitos e interessas.
- Fornece segurança jurídica e tempo para líderes religiosos, permitindo que se concentrem na sua missão pastoral.
Contratos envolvendo a venda ou aquisição de bens pela Igreja: cuidado redobrado:
Transações patrimoniais — especialmente aquelas que envolvem compra, venda, doação ou cessão de imóveis — exigem um cuidado jurídico ainda maior. Isso porque, nesses casos:
- Há impacto direto sobre o patrimônio da entidade religiosa, que possui regulamentação por meio de leis civis e canônicas, devendo ser administrado com zelo, legalidade e transparência.
- É preciso observar regras do estatuto social, da legislação civil e do ordenamento canônico, nos casos de entidades religiosas que seguem o Direito Canônico.
- Em muitos casos, a autorização da assembleia ou de órgãos ou líderes superiores da instituição é exigida para validade do ato.
- Omissões contratuais podem gerar nulidade, responsabilização civil e tributária, em situações mais graves, implicações criminais.
Conclusão: o zelo jurídico como instrumento de proteção institucional expressão de responsabilidade pastoral
A fé e a espiritualidade, pilares da vida religiosa, não excluem o compromisso com a legalidade e a boa administração. Ao contrário, o cuidado jurídico é uma forma concreta de expressar responsabilidade com a missão, com os bens e com as pessoas que confiam na instituição.
Por isso, contar com uma assessoria jurídica especializada e contínua na elaboração e análise de contratos não é um luxo, mas uma necessidade estratégica e pastoral, que protege não apenas os bens, mas também a reputação, a autonomia e a seguridade da instituição religiosa, indispensável para garantir a efetiva segurança jurídica, a prevenção de litígios, a proteção patrimonial e o respeito à finalidade estatutária da entidade.
A ausência de orientação jurídica pode resultar em nulidade de cláusulas, desequilíbrio contratual, responsabilização civil e administrativa dos gestores, além de sérios prejuízos materiais e morais à instituição e seus membros.
Por essa razão, é fundamental que contratos sejam sempre elaborados e revisados por profissionais especializados, com domínio das normas aplicáveis às pessoas jurídicas de natureza religiosa, garantindo que os negócios jurídicos celebrados estejam em conformidade com o ordenamento jurídico e os princípios que regem a atuação das organizações confessionais.A juridicidade e a prudência contratual são, portanto, expressões de boa governança institucional, que contribuem para a continuidade, legitimidade e eficácia das ações desenvolvidas pelas entidades religiosas no exercício de sua missão.
Artigo escrito por Denis Silva Guimarães, advogado e professor universitário, especialista em Prática Trabalhista Avançada; e por Thiago Oliveira Silva, graduando em Direito, com formação em Marketing e pós-graduação em Direito Público, Direito do Trabalho, Direito de Família e Docência do Ensino Superior.